terça-feira, abril 10, 2007

Maioridade penal aos 16 anos - 1º parte

Em setembro de 1993, publiquei um artigo, para coluna Tema em Debate, do Jornal A Classe Operária, onde abordei a maioridade penal aos 16 anos, sob o titulo: Construir cadeias em vez de escolas? Relendo, depois de quatorze anos, percebo que pouca coisa mudou.
Decidi atualizar o artigo e voltar a publicá-lo, uma vez que o debate voltou à tona com o episódio da morte de João Helio, onde teve a participação de um menor de 18 anos. No decorrer desses anos percebi a crescente ofensiva e a pouca criatividade dos setores mais reacionários, de nossa sociedade, para alterar a lei e um estranho silêncio ou timidez dos setores que pensam o contrario, sem contar também a falta de espaço para o debate.
No bojo da avalanche neoliberal, que continua pretendendo retirar inúmeras conquistas alcançadas em 1988, ressurge uma discussão que interessa diretamente à juventude, mas não só, professores, pais, instituições, etc: a redução da idade, de 18 para 16 anos, para que os jovens possam ser responsabilizados criminalmente. Os mesmos que defenderam e continuam defendendo as reformas, que defenderam e continuam defendendo as privatizações, diga-se de passagem, o discurso deles era privatizar para investir na educação, saúde e segurança, pretendem construir mais cadeias ou novas universidades do crime, em vez de construir escolas, melhorar a educação pública, pagar melhor os profissionais e substituir um sistema educacional falido, e se não bastasse continuam mostrando a mesma sede voraz em aprovar mecanismos de punição para juventude. Esta proposta, baixar a maioridade penal para 16 anos, não é nova e sempre que acontece uma barbaridade envolvendo um menor de idade, é bom que se diga da camada mais pobre da sociedade, como infrator, o estado emocional da sociedade é manipulado em favor desta idéia.
A Constituição de 1988 consagrou o voto facultativo aos 16anos e hoje os setores reacionários usam essa conquista como argumento para justificar a surrada proposta punitiva. Usam de um silogismo rasteiro e medíocre: se podem votar, podem ser presos.
Primeiro é preciso lembrar que o voto é facultativo, não são todos os jovens com 16 anos que votam, somente aos 18 anos que o voto passa a ser obrigatório. O voto opcional aos 16 anos, foi uma vitória da juventude brasileira que, historicamente, tem sido uma força importante nos grandes movimentos democráticos ocorridos no Brasil. Foi assim na campanha em defesa do monopólio estatal do petróleo, na luta contra a ditadura, na campanha pelo impeachment de Collor, nas lutas que acontecem cotidianamente em defesa da democracia e de um país decente. Outro aspecto importantíssimo é a dura realidade de jovens que aos 16 anos já estão no mercado de trabalho, formal ou informal, sustentando famílias, sem acesso a diretos básicos, em sua grande maioria, oriundos das camadas populares da sociedade brasileira. Nada mais justo, portanto, que essa juventude tenha o direito de participar da vida política institucional do país. Isso não pode ser servir de argumento para que as forças reacionárias, na sua tentativa primeira de restringir o espaço democrático e agora com sua sanha punitiva, utilize o voto aos 16 anos como um dos argumentos para defender a responsabilidade criminal aos menores de 18 anos.
O aumento da criminalidade é resultado da falta de perspectiva de inclusão social que é garantida pela inserção formal no mercado de trabalho aliado a um rico processo educacional. Na ausência destes, o que prevalece é a lei da selva, é a luta pela sobrevivência, é no abandono promovido pelo poder publico e na escolha secular de um país para alguns que reside a criminalidade. É claro que existirá o argumento dos jovens de classe média, média alta e alta que optam pela vida criminosa. Ora, estes também são resultado do mesmo sistema social por outra vertente, se de um lado é a ausência do poder publico que gera a falta de perspectiva, do outro lado as instituições sociais, que formam o cidadão, estão falhando. Não podemos compactuar em momento algum com o argumento da índole, não existe bondade ou maldade por natureza, isso seria enganar a população, manter na ignorância, manipular a boa fé de quem esta indignado com a situação de insegurança.
O aumento da criminalidade, que é maior quanto maior for á crise social, que cresce proporcionalmente ao crescimento da miséria e a conseqüente falta de perspectiva, gera violência. A ausência do poder público, com ação preventiva, e a sistemática divulgação pelos meios de comunicação de atos violentos, aumenta a percepção de insegurança na sociedade. Este quadro não se resolve com repressão, resposta sempre apresentada à sociedade quando acontece algum fato que comove a opinião publica. É preciso deixar muito claro que a concepção punitiva, fato e punição, não é o melhor instrumento pedagógico, mesmo assim vem sendo usado como bandeira para combater a impunidade; na verdade a única resposta dada a sociedade, em qualquer ato criminoso, seja de adulto ou de menores infratores, é o aumento da pena. Se esta lógica perversa não for rompida, não será muito difícil para atingirmos um grau de punição, no mínimo, esquizofrênico, tanto para adultos como para jovens; hoje 16 anos, amanhã 15, depois 13, depois 11, no caso dos adultos só falta a prisão perpétua ou a pena de morte.
Os legítimos representantes da parcela reacionária na elite brasileira afirmam que inimputabilidade aos menores de 18 anos é o mesmo que impunidade. Outra distorção. Ao cometer uma infração, o menor de 18 anos pode ser submetido a julgamento, de acordo com o Estatuto da Infância e do Adolescente, dentro do devido processo legal e sofrer as penalidades, em função de sua infração, que inclui também a possibilidade da pena restritiva de liberdade, ou seja, ser preso. Diferente do pensamento exclusivamente punitivo, o processo legal e o local para cumprir a penalidade aplicada ao menor infrator são diferentes do adulto porque o adolescente é uma pessoa em processo de amadurecimento físico, intelectual, psicológico, moral e emocional. A inimputabilidade apenas afasta a possibilidade de ir para cadeia comum ou penitenciária. Será que alguém acredita na possibilidade de um adolescente que cometeu uma infração se recuperar dentro de um superlotado presídio brasileiro? É essa a educação que parcela da elite brasileira quer dar para os jovens, já que fizeram como Pilatos, lavaram as mãos, com relação a educação, a alimentação, a saúde, ao lazer e qualquer outra necessidade básica, capaz de possibilitar o desenvolvimento de um cidadão digno? É fácil manipular a opinião pública, contra ou a favor desta ou daquela proposta, no calor dos acontecimentos, explorar o estado emocional das vitimas para evitar o debate mais profundo e apenas apresentar como saída ou solução punição, mais punição e mais punição; onde vamos parar?
Outro grande equivoco é reduzir este debate à alegação de que o jovem sabe o que é certo ou errado, como se a mesma moral que tem os filhos da classe media pudesse ser exigida de meninos e meninas que nascem nas ruas, que não tem o que comer ou onde dormir. Jovens que acordam e dormem com rajadas de tiro, explosões, violência, “toques de recolher”, ou jovens que nem sabem se vão acordar no dia seguinte.
Algumas perguntas ficam no ar: O jovem abastado, rico, filho de juiz, empresário, políticos entre outros, serão punidos ao cometer uma infração aos 16 anos, irão para cadeia comum ou presídio? Quem arma o jovem menor de idade, o traficante? Quem bota a arma na mão do traficante, o usuário? Por onde entra a droga que é consumida pelos jovens? Quem corta as verbas da educação?Da saúde? Da cultura? Quem não cria postos de trabalho para juventude, só o tráfico?